Com nome provocador, a exposição “Angola Cinemas, uma ficção de liberdade” está em Colônia, na Alemanha, e revela uma arquitetura desconhecida por muitos.A cidade de Colônia, no oeste da Alemanha, pulsa com o Festival de Cinema da África, que já está na sua 15ª edição. Em paralelo à mostra de filmes, as fotos de Walter Fernandes, reunidas originalmente no livro “Angola Cinemas, uma ficção de liberdade”, podem ser conferidas na Câmara da Indústria e Comércio de Colônia (IHK) até o dia 3 de novembro. Com um nome bastante provocador - “Uma ficção de liberdade” - os autores do livro de fotografia se referiam, num primeiro momento, à sétima arte, mas não deixaram a oportunidade passar de registrar que, à altura em que esses cinemas foram construídos, dos anos 30 até 1975, a liberdade em Angola ainda não era uma realidade efetiva. Quando começaram as independências em África, Portugal recusou-se a legitimar essa soberania. A consequência disso foi a construção de cidades que pudessem incluir colonos e indígenas. Dentro dessas cidades, salas de cinemas foram construídas com o objetivo de tentar mostrar ao mundo que não são se tratavam mais de Colônias, mas de Províncias. As fotos, que revelam uma arquitetura desconhecida de cinemas construídos antes do fim do domínio colonial português, podem ser descobertas ao longo de cinco andares do prédio da IHK a bordo de uma relíquia na Alemanha: um elevador que não tem portas e nunca para, o Paternoster. No quinto andar, a foto do Cine Estúdio do Namibe inspira-se na arquitetura do brasileiro Oscar Niemeyer e marca uma mudança no estilo das construções, que logo no início exibiam características arquitetônicas do regime autoritário de Antonio Oliveira Salazar. É a partir do Modernismo que as construções vão tomando um ar mais leve, unindo luz e ar, até chegarem aos cine-esplanadas dos anos 60 e 70, projetados de forma futurista com espaços abertos e arejados. “Mais do que blood diamonds” Miguel Hurst, curador da exposição e um dos editores do livro, esteve presente à Vernissage e contou que à época do lançamento do livro, em 2015, não estava à espera dessa repercussão. “Rapidamente, veio o interesse de outras províncias e começamos então a fazer a exposição com as fotos do livro. Tudo começou em Luanda, depois vieram Namibe, Benguela, Durban, Rio de Janeiro, Lisboa, Munique e, agora, Colônia”. Hurst continuou contando que está é a primeira vez que se mostra Angola dessa maneira. “Isso pra mim é uma revolução. Os arquitetos não foram angolanos, mas o patrimônio cultural é nosso. E isso para mim é fazer uma revolução; mostrar que Angola é muito mais do que corrupção, mais do que ‘blood diamonds’” pontuou. O editor do livro deixou claro no entanto, que, apesar de algumas salas terem sido restauradas, muitas vão ser demolidas. Ele fez um apelo ao ministério da Cultura, a fim de que eles tomem a dianteira desta cruzada. A solução para o curador da mostra é investimento financeiro por parte do Estado angolano para divulgar mais o audiovisual. “Não ter água e não ter luz não pode ser a razão de que não haja uma aposta num outro lado, no lado cultural; um país tampouco pode matar-se culturalmente para dar àgua e luz a toda gente. As coisas têm de acontecer em paralelo; não pode só ser àgua e luz”, finalizou Hurst. Arte e arquitetura para além dos esteriótipos Christiane Schulte, do Insituto Goethe, disse que Angola é desconhecida na Alemanha e que, quando se fala no país, só vêm os esteriótipos: riquezas naturais, corrupção, guerra civil. Schulte concentrou-se no outro lado: “Existe em Angola uma cena artística e cultural bastante atuante e cada vez mais internacional, muitos jovens estão interessados em se expressar através da arte. A capital, Luanda, é um lugar onde a vida cultural ferve, onde muitos eventos acontecem e as pessoas estão experimentando novas formas de fazer arte”. Schulte salientou ainda que quase ninguém no mundo sabe que há muita cultura sendo produzida em Angola, assim como poucos sabem que os angolanos têm uma arquitetura incrível. “Outra razão para publicarmos este livro é que se trata de um enorme património cultural. Boa parte dele está ameaçado e outra parte já foi destruída. Esperamos que a esta publicação ajude a fazer com que este património seja preservado”.
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