As organizações de assistência na Nigéria temem uma catástrofe humanitária após o bombardeamento acidental de um campo de refugiados pela força aérea nacional. Os analistas prevêem mais violência militar contra civis.Dezenas de pessoas morreram no bombardeamento do campo de refugiados na região de Kala Balge, no estado federado de Borno, na terça-feira, 17 de janeiro. Um porta-voz do Governo confirmou o que disse ter sido um ataque "acidental”, que deixou mais de uma centena de pessoas feridas, muitas em estado grave. Segundo a Cruz Vermelha Internacional, o ataque matou 70 pessoas e destruiu uma parte do campo próximo da cidade de Rann. O campo acolhe milhares de refugiados do conflito entre o Governo e o grupo terrorista islamista Boko Haram. "Névoa da guerra” Pelo menos duas bombas atingiram o campo perto da fronteira nigeriana com os Camarões. O recinto está sob controlo do exército de Abuja. Na região decorre uma operação de grande envergadura contra o grupo terrorista. As autoridades nigerianas atribuíram o bombardeamento acidental à "névoa da guerra”, expressão usada para descrever também a interpretação errónea de ordens recebidas. Na altura do ataque, o campo abrigava cerca de 43.000 deslocados. Dado a gravidade dos ferimentos, conta-se com um aumento do número de mortos. Está em curso a transferência aérea de feridos para hospitais na vizinhança. Resultado da falta de respeito A organização benévola Médicos Sem Fronteiras (MSF), que fazia um trabalho de vacinação infantil no campo, afirma que o mesmo está sob controlo do exército nigeriano há dois meses. Florian Westphal, diretor-geral da MSF na Alemanha, disse à DW: "Estamos neste campo com o conhecimento e a aprovação do exército nigeriano. Trata-se de um campo civil, pelo que o ocorrido levanta uma série de questões. É nosso dever condenar este incidente, que resulta da falta de respeito pela segurança dos civis.” Urge assistência humanitária A MSF está envolvida em operações humanitárias no nordeste da Nigéria e nos vizinhos Camarões. Segundo Westphal, os seus serviços são procurados por centenas de milhares de pessoas, na maioria deslocados, em cinco cidades do estado federado de Borno. É uma região de difícil acesso, o que torna problemática a organização da assistência, disse Westphal à DW: "Em muitas áreas ainda ocorrem conflitos armados pelo que não é fácil fazer chegar a ajuda a quem precisa.” Até muito recentemente, as agências de assistência locais e internacionais não tinham acesso a Rann por causa do estado degradado das estradas e da insegurança nesta parte remota do Lago de Chade. No mês passado, o exército anunciou ter expulsado o Boko Haram dos seus quartéis na floresta de Simbisa, no sul de Borno, obrigando os insurgentes a fugirem para norte. Erro trágico O analista nigeriano especializado em questões de segurança, Nuhu Othman, diz que no norte é muito provável que os terroristas se misturem à população local: "Este foi um erro trágico cometido pelo exército, que mostra a capacidade real da Nigéria de lançar este tipo de operações.” O Governo admitiu de imediato a responsabilidade pelo ataque, que qualificou de erro. O que não surpreende diz Othman: "Eles têm que pedir desculpas, porque os nigerianos estão indignados. Mas os nigerianos querem uma investigação e o julgamento dos pilotos.” Segundo Othman, de qualquer forma o ataque não podia ter sido ocultado, porque aconteceu num campo de refugiados e teve muitas testemunhas. Mais ataques prováveis O exército nigeriano reforçou as operações contra o Boko Haram. O Presidente Mohammadu Buhari chamou à estratégia um último esforço para aniquilar os insurgentes. Mas segundo o analista Othman, apesar de investimentos militares recentes, "o Governo tem dificuldades em obter armas e munições. As autoridades têm que comprar armas ao Paquistão e à Rússia, porque é proibido vender armas a governos suspeitos de violação dos direitos humanos.” O analista receia que, de futuro, aumentem os incidentes que vitimizam civis, "uma vez que os combatentes do Boko Haram se misturam à população”.
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